Só tenho documento particular de compra e venda. Como regularizar para obter o RGI do imóvel em meu nome?
A aquisição irregular de imóveis parece mesmo ser um problema endêmico. Muitos podem ser os motivos que levam a isso, desde o "preço" (aparentemente barato, mas que ao final sabemos saber ser muito mais caro dada a INSEGURANÇA), até mesmo a imóveis que em situação irregular vão permanecendo desde o falecimento de um antigo parente titular, ocupação por herdeiros etc. Também existem os casos onde os envolvidos combinam a aquisição através de uma PROMESSA DE COMPRA E VENDA e nunca chegam a concluir a negociação com a lavratura da famosa "ESCRITURA DEFINITIVA"... realmente temos uma grande diversidade de situações problemáticas e sabemos que SEGURANÇA JURÍDICA mesmo só terão os adquirentes quando tiverem a CERTEZA que seus nomes constam no REGISTRO DE IMÓVEIS definitivamente como titulares dos bens que ocupam.
Em que pese o permissivo legal do art. 108 do Código Civil que autoriza a negociação de imóveis através de INSTRUMENTO PARTICULAR sabemos que a sistemática no Brasil - como ensina o insuperável mestre AFRANIO DE CARVALHO (Registro de Imóveis. 1998) esclarecendo o sistema PRIVATIVISTA, PUBLICISTA e ECLÉTICO - se dá observando a aquisição intervivos a fórmula "título" e "modo", salvo exceções:
"A publicidade dos direitos imobiliários pode ser organizada de mais de uma maneira, conforme a EFICÁCIA que a legislação lhe pretende atribuir. Essa eficácia varia em escoal de poucos graus, entre os quais, porém, a diferença é muito sensível para as relações jurídicas. De maneira geral, admite-se a configuração de TRÊS SISTEMAS principais de publicidade, que se revezam, com variantes, nos países da comunidade mundial. (...) O terceiro, ECLÉTICO,
combinando o" TÍTULO "com o" MODO "de adquirir, de acordo com a doutrina romana, substitui a tradição pela PUBLICIDADE REGISTRAL, à qual concede o duplo efeito de CONSTITUIR O DIREITO REAL e de ANUNCIÁ-LO A TERCEIROS. Antes da publicidade, o ato cria obrigações entre as partes, mas, uma vez efetuada, perfaz a MUTAÇÃO JURÍDICO-REAL, investindo a propriedade ou direito real na pessoa do adquirente e, ao mesmo tempo, tornando o direito OPONÍVEL A TERCEIROS. Essa dupla eficácia é a do Direito Brasileiro desde a Lei Imperial de 1864".
O ilustre mestre ensina ainda acerca do basilar "PRINCÍPIO DE INSCRIÇÃO":
"O princípio de inscrição significa que a constituição, transmissão e extinção de direitos reais sobre imóveis só se operam por atos INTER VIVOS mediante sua inscrição no registro. Ainda que uma transmissão ou oneração de imóveis haja sido estipulada negocialmente entre particulares, na verdade só se consumará para produzir o DESLOCAMENTO DA PROPRIEDADE ou de direito real do transferente ao adquirente pela INSCRIÇÃO. A mutação jurídico-real nasce com a INSCRIÇÃO e, por meio desta, se exterioriza a terceiro".
"Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1 o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel".
Nas hipóteses onde o adquirente possua o chamado "Instrumento Particular de Compra e Venda" (que em muitas das vezes na verdade embora assim intitulado carrega em si, de fato, uma promessa de compra e venda) observados os requisitos legais poderá ser adotada a regularização mediante a ação de ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA (que inclusive na atualidade pode se dar pela via EXTRAJUDICIAL, com base no art. 216-B da Lei de Registros Públicos, introduzido pela Lei 14.382/2022) ou mesmo pela USUCAPIÃO (que também pode se dar pela via judicial ou mesmo pela via EXTRAJUDICIAL, nos moldes do art. 216-A da mesma Lei de Registros).
O melhor caminho para a regularização nem sempre será o mais rápido ou o menos oneroso, devendo ser submetido o caso ao ADVOGADO ESPECIALISTA que conhecendo todos os detalhes da situação e principalmente tudo avaliando com base na Certidão atualizada da Matrícula poderá aferir e apontar os caminhos disponíveis para a regularização do caso concreto, não excluindo nem mesmo uma demanda judicial, se mais proveitoso for para a solução do caso.
POR FIM, a acertada jurisprudência do TJSP que em determinado trecho ensinando que "(...) eventual possibilidade do ajuizamento de ação de adjudicação compulsória, anote-se, NÃO É EXCLUDENTE do exercício da via da usucapião (...)" reformou decisão do juízo de piso para determinar a PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO:
"TJSP. 0037979-53.2011.8.26.0602. J. em: 08/11/2018. USUCAPIÃO. EXTRAORDINÁRIA. BEM IMÓVEL URBANO. AUTOR QUE OSTENTA PROMESSA DE VENDA E COMPRA DO IMÓVEL. SENTENÇA PELA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. JUÍZO SENTENCIANTE QUE, ANTE A POSSIBILIDADE DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA, ENTENDEU PELA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. IRRESIGNAÇÃO DO REQUERENTE. CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO. POSSIBILIDADE DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA QUE NÃO OBSTA O EXERCÍCIO DA VIA DA USUCAPIÃO. ÁREA INTEGRANTE DE GLEBA DE TERRA DE EXTENSÃO SUPERIOR. AJUIZAMENTO DA DEMANDA COM ESCOPO DE REGULARIZAÇÃO DA OCUPAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. IRREGULARIDADE QUANTO À FORMA DE PARCELAMENTO DO SOLO QUE NÃO INVIABILIZA A AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. AUTOR QUE DEMONSTROU A POSSE MANSA, PACÍFICA E ININTERRUPTA DO BEM POR PERÍODO SUPERIOR A QUINZE ANOS. ART. 1.243 DO CÓDIGO CIVIL. AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA CARACTERIZADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.238 DO CC. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO".
Fonte: www.juliomartins.net
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