Discutindo o cânone constitucional brasileiro
Há 20 anos era lançado um dos mais importantes e polêmicos livros da moderna teoria literária. O Cânone Ocidental, de Harold Bloom,[1] suscitou uma enorme discussão no meio acadêmico acerca da utilidade de se estabelecer uma lista de obras canônicas, em especial diante da incerteza quanto aos critérios para reconhecê-las e da suposta impossibilidade de se encerrar, num rol reduzido de trabalhos, o que seria mais importante para a cultura da civilização ocidental.
Ademais, o trabalho de Bloom causou impacto na academia norte-americana, já então dominada pelo politicamente correto, por sustentar que autores e livros deveriam ser inseridos no cânone simplesmente por valores estéticos de excelência e de representatividade[2], desconsiderando aspectos como origens sociais, características étnicas ou ainda questões de gênero. A captura da teoria literária por tais elementos, na opinião de Bloom, “reduz a estética à ideologia ou, no máximo, à metafísica. Um poema não pode ser lido como um poema, porque ele é primariamente um documento social ou, rara ainda que possivelmente, uma tentativa de superar a filosofia. Contra essa visão, eu defendo uma teimosa resistência cujo objetivo único é preservar a poesia tão completa e puramente quanto possível”.[3]
Deixando de lado a polêmica em torno do livro, o que importa destacar na análise que aqui se propõe é o aspecto pragmático que Bloom apresenta como justificativa para a manutenção do cânone nas instituições de ensino. Como destaca o autor, “aquele que lê deve escolher, pois literalmente não há tempo suficiente para ler tudo, ainda que não se faça nada além de ler”.[4] A compreensão, pois, da literatura ocidental poderia ser absorvida a partir da leitura de um conjunto de obras canônicas, ante a impossibilidade real de se ler tudo o que é de fato importante, significativo.
Essa simples constatação, que autoriza a utilização do cânone, pode ser projetada para diferentes áreas do conhecimento, aplicando-se não somente à literatura. A realidade cruel do confronto entre a natural limitação do tempo e o universo de trabalhos por ler faz com que, nas mais variadas disciplinas — e não é diferente no direito constitucional —, os estudiosos estabeleçam, involuntária e instintivamente, o seu próprio cânone.
Todo professor de Direito Constitucional, em início de semestre, é confrontado com a pergunta contumaz dos alunos mais aplicados acerca dos livros que seriam imprescindíveis para a compreensão adequada da matéria. Essas listas, que não deixam de ser cânones particulares, satisfazem a necessidade pragmática apontada por Bloom: a aquisição de uma visão correta e panorâmica, no caso, do direito constitucional, num universo intransponível de obras por ler.
Essa, afinal, é a função do cânone: retratar, a partir de alguns referenciais de destaque, a produção maior e mais ampla que forma o conhecimento em determinada área. É isso que Bloom indica ao apresentar a questão fundamental do cânone:
“Originalmente, o cânone significava a escolha de livros em nossas instituições de ensino, e apesar da recente política do multiculturalismo, a v...
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