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30 de Outubro de 2024

A liberdade religiosa e o Direito

É possível pregar um discurso de que as religiões são desiguais?

Publicado por Elder Nogueira
há 7 anos

Um conhecido sacerdote da Igreja Católica, escreveu um livro (“Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de cura e libertação”), voltado aos católicos, no qual faz críticas ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé.

O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra ele, acusando-o de ter cometido o crime do art. 20, § 2º da Lei nº 7.716/89 (conhecida como Lei do Racismo):

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
(...)
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

No caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime.

A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o direito que o indivíduo possui de não apenas escolher qual religião irá seguir, mas também o de praticar proselitismo religioso. Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião.

Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo.

Só haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os “inferiores” para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual, neste caso não haverá conduta criminosa.

Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo.

Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo.

O STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e, ainda que isso gere certa animosidade, não se pode extrair de suas palavras a intenção de que os fiéis católicos escravizem, explorem ou eliminem pessoas adeptas ao espiritismo. Não há, portanto, tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo.

A publicação escrita pelo sacerdote católico dedica-se à pregação da fé católica, e suas explicitações detêm público específico. Sua intenção foi a de orientar a população católica sobre a incompatibilidade verificada, segundo sua visão, entre o catolicismo e o espiritismo.

Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior a outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo.

Segundo o Min. Edson Fachin, a afirmação do autor de que a sua religião é superior e que ela deverá resgatar e salvar os espíritas:

"apesar de indiscutivelmente preconceituosa, intolerante, pedante e prepotente, encontra guarida na liberdade de expressão religiosa e, em tal dimensão, não preenche o âmbito proibitivo da norma penal incriminadora".

Por derradeiro, cumpre citar que o discurso discriminatório criminoso somente se materializa se forem ultrapassadas três etapas indispensáveis:

  • uma de caráter cognitivo, em que atestada a desigualdade entre grupos e/ou indivíduos (existem religiões diferentes entre si);
  • outra de viés valorativo, em que se assenta suposta relação de superioridade entre eles e, por fim (a minha religião é "superior" às demais); e, por fim,
  • uma terceira, em que o agente, a partir das fases anteriores, supõe legítima a dominação, exploração, escravização, eliminação, supressão ou redução de direitos fundamentais do diferente que compreende inferior.

Se o discurso proselitista prega que a religião supostamente "superior" tem o objetivo de auxiliar os adeptos de outras religiões (tidas como equivocadas), neste caso, não há discriminação. Isso porque se ficou apenas nas duas primeiras etapas acima expostas, não se ultrapassando a terceira (mais danosa).

Assim, a tentativa de persuasão, de convencimento pela fé, sem contornos de violência ou que atinjam diretamente a dignidade humana, não é crime.

  • Sobre o autorEspecialista em Direito Processual Civil e Direito do Trânsito
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29 Comentários

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John Doe
6 anos atrás

Realmente não há nada condenável em dizer o que uma religião tem de errado.
Aliás, não há nada de errado em dizer -- e demonstrar -- que TODAS as religiões são entendimentos absolutamente equivocados e inferiores da natureza e que são enormemente danosas para os indivíduos e para a sociedade.

As crenças esotéricas não podem estar todas certas, porque são todas excludentes entre si (cada uma aponta porque a outra é a errada). Entretanto, pelo mesmo motivo, todas podem estar erradas. E, de fato, estão. continuar lendo

John Doe
6 anos atrás

@heberpazdelima

Héber,

Você não entendeu, por isso achou o texto estúpido.
Nem por isso significa que você é estúpido, por falta de compreensão do que eu disse.
É, isso sim, simples ignorância.

E para saná-la, eu explico:
Em cada crença esotérica você encontrará os argumentos necessários para dizer que as outras crenças estão erradas.
Por exemplo, para saber porque o catolicismo está errado, pergunte a um judeu. Para saber porque o islamismo está errado, pergunte a um cristão. Para saber porque as anteriores estão erradas, pergunte a um cientologista. E assim por diante.
Então, se de forma circular cada uma demonstra que as outras estão erradas, certamente nenhuma delas pode estar certa.

Entretanto, esse nem é um argumento anti-religião. É apenas uma conclusão lógica.

Noutro ponto eu digo que as crenças esotéricas promovem visões equivocadas e inferiores da natureza.
Esse sim é um argumento anti-religião. E verdadeiro, como é de conhecimento geral. continuar lendo

Héber Paz de Lima
6 anos atrás

Não deixa de ser argumento circular. Eu tenho inúmeros argumentos contra a sua ideia de naturalismo universal, como por exemplo o argumento cosmológico, ou o argumento da necessidade, ou ainda o da sintonia fina.
A objeção não pode jamais ser argumento de exclusão. Aqui é um site de juristas e juristas têm por princípio o Allegare nihil et allegatum non probare paria sunt. Ainda, o ônus da prova SEMPRE cabe a quem alega. Se você diz que a prova do seu argumento é o seu argumento, logo o seu argumento é estúpido até a medula.
E mais, a natureza é incapaz de provar cerca de 99% das coisas que nos rodeiam, pois a natureza depende do método científico, o mais fraco método de provas que existe.
Novamente: vai estudar antes de escrever besteira. continuar lendo

John Doe
6 anos atrás

@heberpazdelima

"E mais, a natureza é incapaz de provar cerca de 99% das coisas que nos rodeiam ..."

Isso não faz o menor sentido.

"..., pois a natureza depende do método científico...

Não. A natureza não depende do método científico.

" ..., o mais fraco método de provas que existe. "

Pelas suas próprias palavras, o ônus da prova está com você, para comprovar essa alegação.
Porém, simplifico para você, perguntando: qual o método que você considera melhor que o científico? continuar lendo

Héber Paz de Lima
6 anos atrás

O método científico, e portanto, o método preferido de 10 em 10 ateus toddyinhos, não pode comprovar a história (que já engloba praticamente tudo o que te rodeia), não pode comprovar a matemática (pois é ciência EXATA), não pode comprovar a beleza, não pode comprovar a mente/personalidade humana e, mais ainda, não pode comprovar sequer o próprio método científico, pois isso seria petição de princípio. Só essas 5 coisas já são mais de 99% das coisas que te rodeiam.
E quanto ao ônus da prova, ele é inteirinho seu: prove que as religiões (crenças exotéricas) são TODAS (isso mesmo, você disse todas) erradas. Depois que você ver o tamanho da estupidez que falou, vai estudar antes de falar sobre um assunto que você desconhece completamente. continuar lendo

John Doe
6 anos atrás

@heberpazdelima

Heber,

Não se faz uma discussão, nem sequer uma conversa, com esse tipo de palavreado que você usa.

É preciso ser digno de uma discussão, antes de pretendê-la.
E esse não é o seu caso. continuar lendo

Lucas Silva
6 anos atrás

@heberpazdelima

"Cosmológico... Necessidade... Sintonia fina"

😂😂

Isso me lembra aqueles non sequiturs e alegações especiais, toscos do william craig

"O método científico (...) não pode comprovar"

O método científico não SERVE pra comprovar o que não cabe ao método científico. O que ele PÔDE e PODE comprovar é que qualquer estupidez terrena inventada pela religião não passa de invenção continuar lendo

Dan Sampaio
6 anos atrás

Ao autor, Elder Nogueira, sugiro que reveja seu texto: há vários trechos repetidos. continuar lendo

Matheus Lopes PRO
6 anos atrás

Bom texto, bom conteúdo, boa argumentação.

Mas gostei mesmo dos argumentos utilizados do senhor Héber Paz de Lima, (hahahahahahahaah)
direto ao ponto, esclarecedor sem o "juridiques" irritante de nosso falido sistema.

É um advogado convicto no que diz, conhece as teorias da argumentação e do conteúdo do artigo. continuar lendo

Valterdes Rodrigues
6 anos atrás

Não tive como não falar nada especialmente depois de ler tantos comentários acalorados, tendenciosos e arrogantes.
Talvez ao final eu mesmo seja posto entre esses "tantos", acima.
Bem, pouquíssimos juristas entendem profundamente as diferentes religiões. Muitos nem mesmo conhecem bem a própria religião, e religião digo ser, a forma de adoração de cada um. E todos adoramos alguém ou alguma coisa.
Sou de uma religião que tem sofrido no passado e no presente perseguição em vários países, senão do governo, com influência de religiões maiores, das pessoas em geral, também por influência das outras religiões. Mesmo assim não odiamos os que se opõem à nossa fé.
Às vezes precisamos de advogados. Mas como eu poderia escolher para me defender de preconceitos, um profissional que já percebo nos seus comentários que ele não é imparcial? continuar lendo

Ellen Alves Lopes
6 anos atrás

Enfim, um argumento sensato.
Em meio a tanto discurso de ódio e de intolerância, uma decisão desta vinda do nosso Supremo desanima. Discordo, ainda mais conhecendo trechos do referido livro.
Discordo mais ainda, quando sei o quanto as religiões de matriz africana foram perseguidas e subjugadas ao longo dos anos - e ainda o são.
E é triste ver tantas pessoas, tantos juristas, que deveriam lutar pela ordem e o bem estar social, com certos pensamentos. Tentando justificar sua intolerância com trechos secos da lei. Sem compreender o próximo, sem tentar entender o outro lado.
Sou espírita, e me entristeço quando vejo comentários maldosos de pessoas que não tem noção do que é o kardecismo. Que vomitam seus absurdos por aí em forma de verdade. continuar lendo