JUSTIÇA: GOVERNO MONOPOLIZA O STF
Órgãos ligados ao Executivo federal respondem por 90% dos processos levados à Corte. Do total das ações julgadas em 22 anos, 92% não dizem respeito a temas constitucionais
BRASÍLIA – Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) seja apontado pelos próprios integrantes como uma Corte constitucional, pesquisa divulgada ontem pela Fundação Getulio Vargas (FGV) indica que o STF passa longe de ser um tribunal focado na análise de temas sobre a Constituição. Os números mostram que, entre 1988 e 2010, 92% dos processos julgados não diziam respeito a esse tipo de abordagem. De acordo com os dados, 0,5% das ações originárias da Suprema Corte tratam de matérias constitucionais.
A pesquisa Supremo em Números demonstra que o Executivo é o principal usuário do STF, tanto na condição de autor quanto na de réu, sendo o responsável por 90% dos processos na Corte. Os órgãos, autarquias e empresas ligadas ao Executivo federal respondem por 68% dos casos. Os dados apontam que, juntos, Caixa Econômica Federal, União e INSS respondem por 50% dos processos em tramitação.
“Não conheço Corte no mundo que permita tantos mecanismos de acesso como o STF”, disse o jurista Joaquim Falcão, um dos coordenadores da pesquisa da FGV. Ele criticou a quantidade de formas pelas quais se pode acionar o Supremo. São 37 ao todo, sendo que, desde 1988, 52 formas já foram usadas para ingresso de ações – algumas já extintas. “Hoje são 37. É como se fosse uma casa em que diariamente, à noite, é necessário fechar 37 portas”, comparou.
Dentre os processos que chegaram ao tribunal, 52% são agravos de instrumento e 39,6% recursos extraordinários – mecanismos usados para questionar decisões de instâncias inferiores. O terceiro método mais usado é o habeas corpus, que responde por 2,6% das ações.
De acordo com o presidente do STF, Cezar Peluso, o Executivo não pode ser responsabilizado pela sobrecarga do Supremo. Segundo ele, o problema se encontra no atual sistema, que permite uma série de recursos que, na maioria das vezes, não modificam sentenças de instâncias inferiores. “O Executivo está tomando atitudes e medidas tendentes a diminuir esse volume de feitos inaceitável em relação ao STF”, destacou Peluso.
O ministro alerta que os problemas se concentram na quantidade de recursos que chegam ao Supremo sem que tenham qualquer modificação, servindo apenas para protelar a decisão e sobrecarregar os ministros. Para contornar a situação, Peluso defende a aprovação da chamada PEC dos Recursos, proposta de Emenda à Constituição que estabelece que os processos sejam encerrados e executados após a sentença judicial de segunda instância.
Prejuízo - Segundo números do próprio Supremo, revelados ontem por Peluso, o STF recebeu, entre 2009 e 2010, 64,1 mil recursos extraordinários e agravos de instrumento vindos de outras instâncias. Desse total, 5,3 mil ou 8% se referem a matérias penais e apenas 145 foram deferidos. De acordo com o ministro, somente quatro dos recursos acatados evitaram condenações por crimes passíveis de prisão.
“É concebível manter um sistema que prejudica toda a sociedade para proteger quatro por ano? Quantos milhões são prejudicados? A mudança (proposta pela PEC) atenderia às necessidades da sociedade. Pode não atender interesses aqui e ali”, afirmou.
Supremo em números
13 milhões de processos em andamento entre 1988 e 2010
90% dos processos têm origem no Executivo
90% dos processos que chegam ao STF já foram decididos em pelo menos duas instâncias
5,8% dos processos surgem no próprio STF
3,3% das ações têm origem no Superior Tribunal de Justiça (STJ)
52 mecanismos foram usados para o acesso ao STF nos últimos 21 anos
64.185 recursos extraordinários e agravos de instrumento protocolados entre 2009 e 2010
5.307 processos tratam de matéria criminal (cerca de 8% do total)
145 recursos e agravos aceitos sobre matérias penais (2,7%)
Fontes: FGV e STF
Transcrito do jornal “Estado de Minas”, Diego Abreu (05/05/2011)
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