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25 de Novembro de 2024
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    Artigo: Federalização e combate à impunidade - Flávia Piovesan

    Publicado por OAB - Rio de Janeiro
    há 14 anos

    Federalização e combate à impunidade

    Flávia Piovesan*

    Em 27 de outubro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu deslocar para as instâncias federais a investigação e o julgamento do assassinato do advogado e defensor de direitos humanos Manoel Mattos. Vítima da atuação de grupos de extermínio, Manoel Mattos foi brutalmente executado em janeiro de 2009, na Paraíba. O defensor sofria graves ameaças por sua combativa militância ao denunciar dezenas de execuções sumárias na região, demandando respostas das autoridades. Seu caso já tinha recebido especial atenção da comunidade internacional em 2002, com a concessão de medidas cautelares pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a fim de que sua vida fosse resguardada, e as ameaças, devidamente investigadas.

    Este caso revela de forma emblemática o padrão de violência que acomete toda uma região na divisa entre a Paraíba e Pernambuco (a chamada "fronteira do medo"), marcada pela voraz atuação de grupos de extermínio, compostos por agentes privados e estatais (policiais militares, policiais civis e agentes penitenciários).

    Segundo o relatório da CPI sobre grupos de extermínio na Região Nordeste, em dez anos mais de 200 execuções sumárias foram praticadas por esses grupos na divisa entre aqueles estados, acobertadas pela total impunidade.

    Em junho de 2009, o procurador-geral da República solicitou ao STJ que fosse transferida a investigação, o processamento e o julgamento do caso Manoel Mattos para as instâncias federais.

    Solicitou ainda a federalização da apuração e da repressão ao grupo de extermínio atuante, em toda sua dimensão, visando ao desmantelamento de redes criminosas em diferentes estados.

    O pedido fundamentou-se em três argumentos: a existência de grave violação a direitos humanos; o risco de responsabilização internacional decorrente do descumprimento de obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais; e a incapacidade das instâncias locais de oferecer respostas efetivas.

    Introduzida pela Emenda Constitucional 45, de 2004, a federalização permite ao procurador-geral da República, nas hipóteses de grave violação a direitos humanos e com a finalidade de assegurar o cumprimento de tratados ratificados pelo Brasil, requerer ao STJ o deslocamento da competência do caso para as instâncias federais, em qualquer fase do inquérito ou processo.

    Por meio da federalização, cria-se um sistema de salutar cooperação institucional para o combate à impunidade.

    De um lado, encoraja a firme atuação do Estado, sob o risco do deslocamento de competências. Se as instituições locais mostrarem-se falhas, ineficazes ou omissas para a proteção dos direitos humanos, será possível valer-se das instâncias federais. Por outro lado, aumenta a responsabilidade das instâncias federais para o efetivo combate à impunidade das graves violações aos direitos humanos. A responsabilidade primária no tocante aos direitos humanos é dos estados, ao passo que a responsabilidade subsidiária passa a ser da União.

    Permite ainda a federalização ampliar a responsabilidade da União em matéria de direitos humanos no âmbito interno, em consonância com sua crescente responsabilidade internacional.

    É exclusivamente sobre a União que recai a responsabilidade internacional na hipótese de violação a tratado de proteção dos direitos humanos. Todavia, paradoxalmente, a União, ao mesmo tempo em que assumia a responsabilidade internacional, não detinha a responsabilidade no plano interno, já que não dispunha da competência de investigar, processar e punir a violação, pela qual internacionalmente estava convocada a responder.

    Com a federalização restará aperfeiçoada a sistemática de responsabilização em face das graves violações dos direitos humanos, o que aprimorará o combate à impunidade nas diversas instâncias federativas. O impacto há de ser o fortalecimento das instituições locais e federais.

    O estado de direito requer respostas eficazes a romper a destemida ação dos grupos de extermínio, pautada na promíscua aliança de agentes públicos e privados, que institucionaliza a barbárie, alimentando um círculo vicioso de insegurança, desrespeito e impunidade. A histórica decisão do STJ simboliza uma vitória extraordinária ao honrar a federalização como um efetivo instrumento para o combate à impunidade, para a proteção às vítimas e para a garantia de justiça em nosso país.

    *Flávia Piovesan é professora de Direito da PUC-SP

    Artigo publicado no jornal O Globo, 4 de novembro de 2010

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