Crise amplia a demanda de bancas de direito digital
Laura Ignacio
As demissões de trabalhadores e altos executivos em decorrência da crise econômica aumentaram a demanda nos escritórios especializados em "direito digital" - que costumam ver o volume de trabalho crescer à medida que as tecnologias se desenvolvem. Nesses processos, mensagens de e-mail e blackberry enviadas à distância, por exemplo, são comumente usadas por ex-empregados como prova em ações que pedem o pagamento de horas extras ou indenização por assédio moral. Além da elevação no número de processos de empresas por conta de vazamento de informações feito por funcionários que já sabiam que seriam demitidos e, provavelmente, iriam parar na concorrência. Em decorrência disso, aumentou também a demanda por assessoria jurídica para a implantação de ferramentas de prevenção destes imbróglios, o que já vem impactando o Judiciário. Em fevereiro, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, por exemplo, decidiu a favor de uma empresa por considerar que o empregado tinha conhecimento do regulamento para o uso de tecnologia da informação na empresa. Nesse caso, teria burlado o regulamento, o que caracterizou a justa causa na demissão.
Entre as empresas que já implantaram medidas preventivas está a Lojas Marisa. Segundo Marcelo Figueiredo, coordenador de segurança da informação da empresa, a principal medida tomada pela varejista em relação a fornecedores, por exemplo, foi tornar obrigatória a assinatura de um termo de confidencialidade por eles. Esse termo estabelece a responsabilidade dos fornecedores sobre informações repassadas a terceiros. A Lojas Marisa já teve, por exemplo, que ajuizar uma ação contra um fornecedor para conseguir com que certo material, divulgado de forma inadequada por ele na internet, fosse excluído da rede.
Nesses casos, a prova é digital, o que significa que não é física. De acordo com uma pesquisa de jurisprudência realizada pela advogada Patrícia Peck, que assessora, entre outras empresas, as Lojas Marisa, em reiteradas decisões judiciais esse tipo de comprovação vem sendo bem aceito pelos juízes de segunda instância. Uma decisao do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) do fim de 2008, por exemplo, determina que o fornecedor não pode se negar a cumprir o anunciado na internet junto ao consumidor, sob argumento de que houve equívoco na veiculação da oferta e deve arcar com as consequências desse ato.
O desejo de adequação às exigências da Lei Sarbanes Oxley (SOX) - norma que exige alto nível de governança corporativa das empresas que querem manter um nível atraente das suas ações no mercado - também incentiva as empresas a instituir uma política de segurança. É o caso de uma companhia aérea brasileira também assessorada por Patrícia. A empresa, que hoje tem 80% dos dados em papel, está em processo de digitalização de documentos. No caso, além de cumprir a SOX, o objetivo da empresa é diminuir custos com o departamento jurídico, evitando ações trabalhistas ajuizadas com base em e-mails, por exemplo, e os custos com a guarda de documentos. A função da advogada nesse processo foi a de elaborar um parecer jurídico que diz quais são as ferramentas de digitalização possíveis e como implantá-las para que tais documentos eletrônicos sejam válidos junto a fornecedores, governo ou Judiciário. "E-mails corporativos, por exemplo, devem ser emitidos sempre em em e-mail timbrado", diz. A advogada afirma que, neste ano, já elaborou parecer para companhias dos setores de aviação, construção civil, seguro-saúde e banco.
A instituição preventiva de um regulamento interno de segurança é uma das saídas que vem possibilitando às empresas escapar de processos judiciais trabalhistas. Com um regulamento claro e bem divulgado, segundo o professor de direito eletrônico do Mackenzie e sócio do escritório Ópice Blum Advogados, Rony Vainzof, fica mais fácil provar ao juiz que o ex-funcionário não poderia ter a espectativa de intimidade e que a prova eletrônica é legítima. "Isso porque é possível argumentar que o empregado sabia que certa informação seria confidencial, por exemplo", diz. Em um dos casos patrocinados pela banca, um funcionário enviou 473 arquivos confidenciais por e-mail, no dia seguinte pediu demissão e foi trabalhar no concorrente. Na Justiça, foi pedida uma ordem de busca e apreensão, que foi aceita. O escritório propôs então uma ação inibitória para impedir que o funcionário usasse tais informações, sob pena de multa de R$ 10 mil por cada utilização indevida. O funcionário argumentou dizendo que o e-mail dele havia sido monitorado e teria ocorrido invasão de privacidade, mas a decisão judicial foi favorável à empresa.
Processos que envolvem concorrência exigem a orientação de advogados especialistas tanto em direito digital como em penal. Em uma dessas ações, uma empresa está sendo acusada de implantar um robô espião na concorrente por meio de um funcionário para capturar dados da empresa. Com base em atas notoriais (registradas em cartório) das telas do computador do funcionário, a Justiça considerou demonstrados os indícios de autoria e materialidade e aceitou o pedido de busca e apreensão dos computadores da concorrente para os quais esses robôs mandavam as informações. "Agora, tramita um processo penal contra a concorrente", explica o advogado que patrocina a causa, David Rechulski, do escritório Rechulski e Ferraro Advogados. "Assim como os trabalhistas, os juízes criminais também têm aceitado, cada vez mais, a prova digital", afirma o advogado.
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